sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Maresia

O barulho das ondas ecoa na minha cabeça, arrastando consigo o teu nome cravado excruciantemente no meu ser. O sossego dos oceanos sucumbe ao tumulto do vento que, frigidamente, me rouba a voz e me afugenta as palavras.
Seguiu-se um amargo silêncio e uma neblina cerrada. A maresia trouxe consigo uma paz em tempos perdida enquanto acalmava o vento.
Oh doce maresia, leva-me até ao seu cais para que nos possamos ver mais uma vez... como anseio pelo seu toque, pelo som da sua doce voz esquecidos algures.
Estas águas arrastam consigo as lágrimas das ninfas e, vindo de um local talvez inexistente, consegue-se ouvir o seu choro, uma melodia que não me sai da cabeça.
Gotas trazidas pelo vento tocam-me na cara, como agulhas de gelo.
Vejo-te de longe, permaneces imóvel. Uma expressão completamente vazia, transparecendo ao mesmo tempo uma lucidez infernal. Danço com a tua alma, quero tomar o teu lugar. O tempo, abstraído da nossa silenciosa presença, não nos chama. Ele pertence-nos.

Mas agora tenho que ir. A maresia chama por mim.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pesadelo

No recanto da noite brotam breves fagulhas, extintas com o bafo acalorado do Verão.
Sentado no chão de um quarto escuro, de pernas cruzadas, costas semi-arqueadas, de olhos fixos no chão, descansa o meu corpo, silenciosamente. O vento permanece imóvel, lançando um desconfortável silêncio por toda a cidade.
Espíritos inquietos dançam ao meu redor, perturbando o amargo sossego que me força a abandonar a divisão.
No corredor, um aglomerado de imagens e palavras voam bruscamente sem trajectória alguma. Por entre inúmeras visões que perturbam o âmbito do meu pensamento, vejo sorrisos sem caras, oiço gritos e murmúrios débeis, que se estilhaçam num contingente infinito, empurrando-me para os escombros dos meus sonhos mais sombrios.    
Encontro-me numa outra sala onde nunca antes estive. Descubro uma paz inquietadora que em breve seria quebrada por mim mesmo. A natureza do medo rodeia estas quatro paredes que me parecem mais pequenas.
Corro sem saber para onde vou. Fujo do medo, do desespero, da aflição... da noite. A pulsação aumenta num ritmo tremendo, sinto o coração quase a sair-me do peito. Os gritos perseguem-me, tornando-se cada vez mais insuportáveis. Eu corro ainda mais depressa. A cada segundo que passa, a imagem modifica-se num ciclo exuberante. Tudo se conjuga no mesmo espaço de tempo e eu... acordo.
Todo aquele desespero desaparece, como se da minha imaginação se tratasse, dando lugar a uma sensação apaziguadora e a um desconforto em breve esquecido.

Van Gogh - "A Noite Estrelada" (1889)