terça-feira, 27 de setembro de 2016

A desgraça do poeta

Caída no chão do quarto resta uma arte arruinada pela matemática daquilo a que dois corpos se sujeitam, num inconsciente de palavras tremidas e emoções iletradas. Atrás segue como uma marioneta. Os cordões, mentirosos por desamores, brincam com cada fibra do corpo, troçam com cada recanto da mente. Escapando por outras ruas, daquilo que os quebra.
Ao que o romance se sujeita.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Histórias do arco da velha

Abafado pelo eco perturbadoramente silencioso da nossa ausência, de mim apenas ficou uma réstia do que deixaste esquecido.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Status Quo

Proponho que sufoquemos a saudade num abraço diluído, pois amanhã acordarei com o fantasma da tua ausência, pesado aos pés da minha cama. Imenso em mim, o cheiro a pólvora entre as nossas paredes.
Creio afogar os pulmões, empoeirados por outras palavras, e sonho pegar fogo às minhas raízes que brotam do meu pequeno espaço vazio e imundo, lugar onde se deitam ideias e fantasias que se traem noite e dia.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Na ponta dos dedos

A minha vida feita de muitas rimas que não me cabem no poema, translúcidas na pele que me protege estes ossos quebrados.
Poderei escrever o que resta nas palmas das mãos e dos pés, esperando que assim me levem a casa. Onde as estrelas que traçam o picotado da tua silhueta iluminam as noites do inverno.
Aos círculos andamos, pelas nascentes que rompem as montanhas e que preenchem o espaço entre nós, entre as nuvens que repousam harmoniosamente nos seus cumes.

terça-feira, 1 de março de 2016

As mais que muitas facetas do amor

Por vezes o amor faz-nos egoístas. Atira trocados aos demónios que mendigam à nossa sombra. Como um ventríloquo que se crê Deus narcísico de uma religião que nos cospe nos olhos.

O amor é como todos os dias do ano. Sempre o mesmo. Sempre diferente. Com todas as suas mais que muitas facetas.
Nem sempre imperfeito, se bem que nunca perfeito. Sobrevive num estado líquido. Transformando-se, moldando-se. Num estado que circula em ecos. De acordo com a lei divina que nos impera.

Ou por sermos egoístas, assim vai passando.
Por demasiadas vezes vivemos em estado líquido. Porque amamos com amarras.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sequelas ao tentar ser-me

Talvez seja apenas eu o deslocado.
Caído em ruínas escondidas pela relva alta num sítio que apenas conhece o pôr-do-sol e nunca as estrelas.
Talvez um dia eu cresça longe do outono que é a minha presença, ensopada pelo granizo que corre o meu rosto.
Talvez uma noite deixe de escrever tantos talvezes.

Certezas, nenhuma tenho. Apenas rasgos nos bolsos que me arrefecem as mãos, por onde perco os trocos da minha alma, mas nunca a minha transigência.

Vejo que as ruínas são de facto minhas apenas. Não me sei ser. Não me sei querer bem. Apenas me colapso.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Na ilusão de sermo-nos

Nascemos fora do nosso tempo. Não concordarias?
Caídos em ruínas escondidas pela relva alta num sítio que apenas conhece o pôr-do-sol e nunca as estrelas.
Sinais de uma estação errada; minha.
Linhas imaginárias de uma outra via láctea; minha.

Mas vou a ver, as ruínas são minhas apenas. A minha arte de ser-nos colapsa-me, pois não nos pertencemos.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

A arte do não-amar

Crava os teus dentes no meu corpo, quantas vezes quiseres. Tenta seguir os meus passos, quantas vezes quiseres. Torna-te outrem, quantas vezes quiseres.
Mas não, não és tu que procuro.
Desenhas um esboço fantasioso dos limites da moldura que segura o meu corpo, como se a minha arte tua fosse. Jogas-nos como peças de xadrez, inscrevendo em sangue as tuas regras. Mas a arte não conhece regras, e a morte espreita aos pés da tua cama.

Por ser-se constante

Como posso eu não ser constante quando me agarras pelos cabelos?
Talvez seja constante, pois enterro os pés no meu próprio cimento.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Interferência

Pertenço a cidades que apenas conheces de passagem. Perdido por entre imagens de televisão e fumo de cigarro. Visões enubladas e pesadelos.
Procura uma nova estrada, sem razões.
No asfalto ficou perdido o meu sabor.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Desamores de verão

A sua história, aos seixos lhes escreveu. Sussurrava à maré baixa que o seu amor viria por si mais uma vez. Contava-lhe tudo, tropeçando nas suas palavras. Desenhava na espuma das ondas os seus corpos entrelaçados.
Ao relógio, acrescentava-lhe o dobro das horas. Aos dias, arrastavam-se-lhe os amanheceres e entardeciam-se-lhe os anoiteceres, teimosos. Ao crepúsculo, seu cúmplice, partilhava o doce crime em desejar que aquela outra alma viesse e que a completasse. Só assim desenhara a felicidade nos seus sonhos ingénuos.
Remanesciam sensações e cores de um verão abafado. O desassossego dos seus pés descalços agitava o rio, acompanhando rigorosamente a sua voz, como licor. Quando lhe fazia soar a palavra amor, bebia cada som da sua voz como a água que corre no rio.
Num efeito dormente dessa droga, nem notou que as montanhas lhe roubariam o calor por mais um ano. As montanhas, boca faminta do mundo que lançou a chuva como uma praga.
Quando a doce melodia do seu amar se apagou, levou a cabeça aos seixos, em sinal de adeus. E mergulhou naquelas águas, para nunca mais voltar.