quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Palavras

Que vozes são estas que ecoam na minha cabeça? Estas doces vozes que me acompanham vinte e quatro horas por dia, que me mantém no caminho certo e me aconchegam à noite?

Entre mil e uma palavras, sussurram-me conselhos, ideias, avisos e por vezes algumas reprimendas. Palavras por vezes bruscas, mas carinhosas na maior parte do tempo.  

Fazem-me sentir seguro, fazem-me ver que não estou sozinho, fazem-me seguir em frente e querer ser alguém, progredir a cada passo que dou.

A essas vozes, gostaria de poder dizer Obrigado, e que as amo.

Dedicado à familia e amigos, mas sobretudo a duas incriveis pessoas que tive o prazer de conhecer: 
a minha mãe e a minha irmã 

No escuro

O ranger de uma porta. O bater de uma janela. Um assobio do vento.

Sinto um arrepio na espinha ao pisar o soalho podre desta casa. À minha frente, uma escadaria que leva ao segundo piso. À minha direita, um corredor que se estica até ao horizonte, privado de luz. À minha esquerda, outro corredor igual ao anterior. Dou um passo em frente. Ouve-se mais uma vez o soalho e outro arrepio e uma sensação de desconforto invadem-me.

"Calma." - penso.

Passo a passo, faço o meu caminho até ao primeiro corredor, o da direita, e fixo o meu olhar com o intuito de descobrir o que se encontra na outra ponta mas a escuridão bloqueia-me. Sinto a garganta seca. Recuo. Agora virado para o corredor esquerdo, decido subir as escadarias.

"Calma." - penso.

Piso o primeiro degrau. O barulho que emana da superfície poeirenta ecoa por toda a casa. Continuo. No topo, um único corredor mostra-me o caminho. No final, uma porta feita de madeira sem maçaneta está entreaberta.
Engolo em seco e dou mais um passo. No corredor um pequeno barulho indistinguível faz-se soar ao meu ouvido como uma maldição.
Avanço. Não espreito. Encosto a minha mão à porta. Era já antiga, a madeira tinha diversas falhas, estava húmida. Algumas partes estavam sujas com musgo devido à falta de limpeza. Sinto a minha mão a ficar mais fria.
Empurro-a, ligeiramente.

Dou comigo dentro de um quarto decorado apenas por uma cama cujos lençóis estão rasgados. Um espelho na parede, coberto de pó. Um roupeiro fechado que nem me atrevo a abrir. Um relógio antigo, de pêndulo dá as horas certas. Cortinas esbranquiçadas, sujas e rasgadas nas pontas esvoaçam ao sabor do vento que encontra o seu caminho no quarto através de uma única janela, responsável pela iluminação da divisão.

O vento abranda, restando apenas um desconfortável silêncio.
Toca o relógio, fazendo ouvir o pêndulo que baloiça de um lado para o outro, lentamente.

Neste momento, os únicos barulhos predominantes provêem do relógio, e de mim. A minha respiração, ofegante, ouve-se cada vez mais alto. O meu coração bate a mil. Pingos de suor correm-me o rosto.

Sopra o vento, fazendo a porta bater agressivamente.
Faço o meu caminho até as escadarias, completamente possuído pelo medo. Os degraus parecem-me mais assustadores do que anteriormente. Não consigo mover o meu corpo. Algo me chama à atenção, fazendo-me olhar para trás.

Dentro do quarto fechado, um corvo pousa no parapeito da janela.

Hipocrisia

Por vezes creio viver noutro Mundo. Nada daquilo que os meus olhos vêem é verdadeiro, pois a Verdade persiste em manter-se escondida algures onde tenho dificuldades em chegar.

Quando falo nisto, não me refiro às paisagens, aos animais, às plantas. Falo das pessoas.

Não entendo bem o porquê, mas talvez tenha a ver com medo, ou com objectivos pessoais, o porquê da existência desta outra realidade, na qual tudo o que vejo é falso. Numa realidade reinada pela Hipocrisia.

"Não julgues um livro pela capa."
É errado julgar alguém pelo aspecto, uma vez que por uma determinada pessoa aparentar ser má pessoa, não quer dizer que o seja...e vice-versa. Muitas pessoas erram bastante na matéria, o que serve de alimento à realidade de que vos falo e com a qual estamos, penso eu, familiarizados.
Tenham em atenção a jóia por detrás do brilho.

Existe tanta falsidade no Mundo que se torna realmente difícil distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, o justo do pecador.
Parece existir uma tremenda necessidade de se usar um género de "máscara", que se mete entre nós e a Verdade.

Como já tenho ouvido dizer (e também o digo), "A vida é fácil. As pessoas é que a complicam."
Não seria mais fácil se simplesmente nos déssemos a conhecer, tal e qual como somos? A vida seria mais fácil, não concordam? Mas apesar de tudo, há pessoas que (talvez por medo, cobardia ou até para se proteger, não sei) se vêem demasiado "apegadas" à sua "máscara" e não são capazes de a tirar.

Pessoalmente, penso que por vezes é bom usar-mos essa "máscara", pois pode-nos ser útil para "cair nas boas graças" de alguém, mas vejo também que se trata de um meio fácil de fugir a problemas o que, por outro lado, é errado.

Vocês pensam que todos que conhecem são quem vocês pensam que são? Pensem melhor. Não conhecemos ninguém realmente até ao momento em que, mesmo que por uma questão de segundos, a pessoa se distraia e deixe cair a sua "máscara" acidentalmente.

Como é que eu enfrento tudo isto? Fácil. Tento dar o mínimo de atenção possível. Dou a conhecer às pessoas quem sou realmente, tento fazer de mim uma melhor pessoa a cada dia que passa.

As pessoas falsas não interessam a ninguém. A vida é pequena, tem que ser vivida da melhor forma possível. Não há cá tempo para nos preocuparmos-nos em esconder o nosso Ser por detrás de um manto invisível.

Vivam a vossa vida. O resto é cagativo.

Eclipse

Outrora, num reino muito distante, a léguas daqui viva um humilde povo, governado por um humilde rei. Reino onde eram desconhecidas palavras tais como tirania, corrupção, injustiça. Era um lugar privilegiado, onde não existiam nuvens, onde o Sol ria e mostrava todo o seu brilho e esplendor, lá bem alto no céu.

E as pessoas viviam felizes. Felizes por terem uma vida tão gratificante, sem violência. Pode-se dizer que viviam na ignorância, pois todos os habitantes daquele lugar santo nunca tinham sentido o toque do mal, a escuridão que governava em muitos outros sítios do planeta.

Onde o Sol brilhava, os pássaros cantavam, onde existiam as mais belas paisagens naturais, onde as pessoas conviviam entre elas sem problemas nem preocupações. Onde reinava o rei mais bondoso de toda a História.

Tudo era pintado de cor-de-rosa, dentro das muralhas até ao dia em que o olhar dos camponeses, nobres (e por aí a diante) que radiavam felicidade, amor fora trocado por um olhar vazio... triste. Vivendo dentro de uma bolha impenetrável de "boa vida" a 24 horas por dia, aquelas pessoas sentiram pela primeira vez, o sabor amargo do outro lado da vida no qual encontraram sentimentos que nunca tinham sentido: tristeza, ódio, medo, incerteza, ganância, cólera, mágoa, rancor.

No dia em que se perdeu a Luz.
O Sol, que, com os seus raios luminosos traziam vida àquele reino, foi raptado por uma entidade negra que, num acto de pura maldade, roubou aos habitantes daquele reino aquilo a que eles mais tinham apego e adoração.

Chegou uma nova fase, uma nova era marcada pelo medo do que se seguiria e a incerteza de que passo dar a seguir, se algum dia voltariam a ver o sol.
Um desespero de tal ordem, uma tristeza tão profunda, quase indescritível. O que iriam fazer agora? Sem saberem para onde se virar, sentiam-se perdidos.

Então, chegou um dia em que finalmente o Sol retornou. Não podiam acreditar no que os seus olhos viam! A escuridão tinha sido varrida pelo esplendor brilho e calor do astro. A esperança perdida tinha regressado, caminhos desorientados foram encontrados. A felicidade voltou a perdurar nas suas almas.

Então eles abriram os olhos... é impossível viver numa Utopia, num Mundo perfeito, neutro. Sem o Bem... sem o Mal.
Estes dois andam sempre de mãos dadas. Pois, sempre que alguém está contente, outra pessoa está triste. E não pensem que o infortúnio cai exclusivamente nos ombros dos outros, porque a verdade nua e crua, é que a vossa vida pode cambalear num estalar de dedos.

A chave reside em nós próprios, na Esperança que devemos manter viva, acreditar que dias melhores virão.

A essência da Liberdade

Recordo-me da minha inocência, perdida algures no Tempo. Essa inocência que marcou a minha infância, hoje recordo-a como a areia branca da praia que insiste em desaparecer devido a um simples, mas impiedoso, sopro do vento.

Ao passear descalço na praia, ao ouvir o barulho das ondas, ao sentir o vento na minha cara penso nas lembranças que guardo daquela altura da minha vida.

Naqueles tempos eu sonhava em ser livre. Livre como um pássaro que voa no límpido céu azul. Poder fazer o que me apetecesse, não ter os meus pais sempre a ralhar comigo, não ir à escola, acho que este é um sonho partilhado por todas as crianças.

Porém, à medida em que os anos iam passando por mim, descobri o verdadeiro significado da palavra "liberdade". Como é que uma expressão tão simples como "ser livre" pode esconder algo tão complicado? A verdade é que muitos são aqueles que tomam a sua liberdade como garantida e não percebem que podem perdê-la numa questão de segundos.

Falar de liberdade é complicado. Afinal, o que é a liberdade? Pois eu respondo. Trata-se do mais puro dos sentimentos, aquilo que nos faz sentir como se fossemos viver para sempre, amar sem receios, ultrapassar os limites sem pensar nas consequências, gritar o mais alto possível no topo de uma montanha, sentir a água salgada dos oceanos nos nossos pés, viver cada dia como se fosse o último, olhar para trás sem nos arrependermos de nada.

Liberdade é sinónimo de felicidade. Do que nos serve ter dinheiro, luxos e outras coisas mais, se na verdade não nos sentimos livres?

Aquele que não é livre tem a alma corroída, repleta de dor e sofrimento. É como estar preso numa gaiola da qual não somos capazes de escapar, como uma doença que destrói as nossas entranhas.

No entanto, o significado deste termo é subjectivo. Cada um tem a sua própria noção de liberdade, mas uma coisa é certa...



Todos nós a procuramos. Todos nós a desejamos.

A Cabana

A vida corria-me lindamente. Pelo menos, sempre foi assim até àquele dia... Não me posso queixar: tive uma óptima infância, sempre fui um bom aluno e consegui finalmente atingir aquilo com que sempre sonhara: uma vida independente, um trabalho bem pago e uma casa enorme onde poderia dar uma festa de arromba com os meus amigos. Pois. A minha vida corria na maior até ao dia em que eu recebera aquela maldita carta.
Esta carta de que vos falo vinha sem remetente e o seu conteúdo tratava-se de um pequeno poema escrito numa língua qualquer que não fui capaz de entender.
Pensei que fosse uma brincadeira (embora me parecesse uma brincadeira um pouco esquisita, mas pronto), talvez obra dos miúdos ali do bairro.
Passaram-se 13 dias desde aquele dia e eu já nem lembrava do sucedido. Nesta altura, recebera uma notícia do meu emprego: eu iria numa viagem de negócios à Irlanda.
Então assim foi...dentro de 1 semana estaria dentro de um avião, rumo àquele país friorento, coberto de neve.
Quando lá cheguei, notei que algo não estava certo: a cidade mais parecia uma cidade-fantasma e no entanto, o hotel, pelo que me foi dito quando me ia registrar num quarto, o hotel encontrava-se cheio (embora fosse mais do que óbvio que aquilo estava vazio!). Não fiz perguntas, limitei-me a voltar para a rua à procura de um lugar para dormir. Mas não consegui encontrar ninguém que me ajudasse. As poucas pessoas que estavam na rua nem sequer estabeleciam contacto visual e ainda por cima, um ladrão qualquer decidiu roubar-me as malas! Sem comida, sem as minhas coisas e super cansado, vi-me forçado a dormir na rua. Deambulei por aquela cidade a noite toda, molhado por causa da neve que não parava de cair. Acabei por sair da cidade pensando que mais tarde ou mais cedo alguém viria ajudar-me. Entrei numa floresta a sul da cidade.
Pensei para mim mesmo que iria morrer de frio, que não aguentaria até ao dia seguinte. Foi então que recuperei, mais uma vez, a esperança: avistei uma pequena cabana no meio de uma clareira. Parecia ser antiga: o material do qual fora construído estava coberto de musgo e podia-se ver ervas junto aos cantos da cabana que ainda não tinham sido cobertas pela neve. Tinha apenas 2 janelas pequenas, mas ambas emanavam um enorme foco de luz. A chaminé libertava uma nuvem de fumo o que me levou a deduzir que alguém viveria naquele lugar. Bati à porta. Ninguém. Notei que a porta não estava fechada, por isso abri-a e vi uma pequena sala com um aspecto bastante rústico e com pouca decoração: uma mesa no centro com apenas uma cadeira e um candeeiro, responsável por iluminar toda a sala, num dos cantos, uma cama de solteiro que aparentava nunca ter sido usada. Um prato de comida quente estava em cima da mesa. Nem pensei 2 vezes. Com a fome que tinha, devorei a comida.
Não queria acreditar nos meus olhos. Parecia que me tinha calhado a sorte grande. Decidi passar lá a noite, mas manter-me acordado até que o dono da cabana chegasse. Mas ele nunca chegara.
Na cabana, encontrei um livro totalmente em branco e decidi escrever nele a pequena "aventura" que me estava a acontecer.
Acabei por adormecer, determinado em voltar para casa no dia seguinte.
Acordei era ainda de madrugada. Estava tudo na mesma. Saí daquele lugar, mas algo estava diferente...o caminho que me guiou até à salvação parecia ter desaparecido, substituído por um grupo de carvalhos. Segui em frente e entrei na floresta, sem encontrar a saída. Andei à volta durante meia-hora e voltei a dar de caras com a cabana. Algo estava errado. Porque raio é que não conseguia encontrar a cidade?
Voltei a entrar na floresta, à procura da saída. Procurei, procurei pela saída até não aguentar mais. A minha respiração começou a ficar ofegante...estava exausto, o medo apoderara-se do meu corpo que parecia não me obedecer: só pensava em voltar para a cabana, descansar e retomar a minha busca amanha de manhã mas no entanto, as minhas pernas pareciam não se mexer. Entrei em total desespero e a única coisa que consegui fazer foi chorar; o meu corpo caiu no chão como se já nem vida se encontrasse nele e acabei por desmaiar.
Acordei no dia seguinte cheio de frio, com neve até ao pescoço. Olhei à minha volta e a paisagem estava na mesma desde que fechara os meus olhos. Os sentimentos de medo e desespero continuavam a assombrar a minha cabeça, já nem era capaz de pensar logicamente. Puxei por alguma força que pensava já não ter e corri até à cabana. Sentei-me à mesa e descrevi tudo aquilo que senti no pequeno caderno.
Não voltei a fazer o mesmo. Fiquei sempre na cabana. Coincidência ou não (na altura nem me preocupei com isso), encontrei um género de arca cheia de comida, o que me permitiu sobreviver durante mais uns dias naquele inferno.
Há quantos dias eu estive lá? Não faço a mínima ideia...perdi completamente a noção do tempo. Cada momento parecia durar uma eternidade. Um teste à minha sanidade.
Mal sabia eu que o meu inferno estaria prestes a acabar quando numa manhã ouvi barulhos vindos de fora da cabana. Pareciam pessoas a sussurrar, um emaranhado de vozes impossíveis de não ouvir e ignorar. Essas vozes soaram-me como uma melodia...uma melodia que para mim significava salvação, a saída deste sítio que odiara com todas as minhas forças!
No entanto, no momento em que ponho o meu pé fora da cabana, as vozes desapareceram. Gritei, na esperança de ser ouvido. Mas nada...daquele momento, apenas restara o silêncio. Depois, dei de caras com algo que deveria ser impossível: no chão à minha frente estava a carta sem remetente que recebera antes da viagem. "Terei endoidecido?" - pensei. Como raio é que aquilo poderia estar ali?
De repente, as vozes reapareceram, do nada. No entanto, o sentimento que me invadira naquele momento não era de alívio, mas sim puro medo. As vozes ouviam-se cada vez mais alto e não se percebia nada daquilo que era dito. O que vejo a seguir? Sombras. Sombras vindas das profundezas da floresta amaldiçoada. Estas sombras que não paravam quietas no mesmo lugar, que me rondavam, que me espiavam dia e noite como se eu fosse a sua presa. Seriam animais? Não. Desapareciam e reapareciam, movimentam-se muito depressa e os sons que emitiam...era como se pronunciassem um discurso numa linguagem totalmente desconhecida. Paralisado com o medo, voltei a mim e fechei-me dentro da cabana. Agarrei no livro e escrevi o que acabara de ver e ouvir. Não podia acreditar, os barulhos pararam. O meu coração batia a 1000 à hora, suspirei fundo e ganhei coragem para voltar a sair da cabana. Mal saí, vi uma daquelas sombras em cima do telhado da cabana. O monstro ou lá o que era saltou-me para cima.
3 dias passaram desde então. A polícia encontrava-se no local, pois fora encontrado um cadáver coberto de sangue. Esse, seria eu após o ataque. Após a autópsia, não conseguiram descobrir o que esteve na origem da minha morte. Não havia nenhuma marca no corpo que pudesse explicar todo aquele sangue. Impossível ter sido um animal ou um homem...então o que seriam aquelas sombras que vi e me mataram? Há certas coisas em que o Homem devia manter-se afastado...certas coisas que levam a mais nada senão o vazio.

Ahh! É verdade...quanto à cabana e às árvores que apareceram no nada...bem, aparentemente nada disso existira. De acordo com a comunidade local, nunca houve nenhuma cabana naquele sitio. Apenas havia uma pequena clareira.
Terá sido a cabana fruto da minha imaginação? No último capítulo da minha vida, tornou-se impossível distinguir a realidade da fantasia. Nada fez sentido até que cheguei ao fim da estrada.