quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Cabana

A vida corria-me lindamente. Pelo menos, sempre foi assim até àquele dia... Não me posso queixar: tive uma óptima infância, sempre fui um bom aluno e consegui finalmente atingir aquilo com que sempre sonhara: uma vida independente, um trabalho bem pago e uma casa enorme onde poderia dar uma festa de arromba com os meus amigos. Pois. A minha vida corria na maior até ao dia em que eu recebera aquela maldita carta.
Esta carta de que vos falo vinha sem remetente e o seu conteúdo tratava-se de um pequeno poema escrito numa língua qualquer que não fui capaz de entender.
Pensei que fosse uma brincadeira (embora me parecesse uma brincadeira um pouco esquisita, mas pronto), talvez obra dos miúdos ali do bairro.
Passaram-se 13 dias desde aquele dia e eu já nem lembrava do sucedido. Nesta altura, recebera uma notícia do meu emprego: eu iria numa viagem de negócios à Irlanda.
Então assim foi...dentro de 1 semana estaria dentro de um avião, rumo àquele país friorento, coberto de neve.
Quando lá cheguei, notei que algo não estava certo: a cidade mais parecia uma cidade-fantasma e no entanto, o hotel, pelo que me foi dito quando me ia registrar num quarto, o hotel encontrava-se cheio (embora fosse mais do que óbvio que aquilo estava vazio!). Não fiz perguntas, limitei-me a voltar para a rua à procura de um lugar para dormir. Mas não consegui encontrar ninguém que me ajudasse. As poucas pessoas que estavam na rua nem sequer estabeleciam contacto visual e ainda por cima, um ladrão qualquer decidiu roubar-me as malas! Sem comida, sem as minhas coisas e super cansado, vi-me forçado a dormir na rua. Deambulei por aquela cidade a noite toda, molhado por causa da neve que não parava de cair. Acabei por sair da cidade pensando que mais tarde ou mais cedo alguém viria ajudar-me. Entrei numa floresta a sul da cidade.
Pensei para mim mesmo que iria morrer de frio, que não aguentaria até ao dia seguinte. Foi então que recuperei, mais uma vez, a esperança: avistei uma pequena cabana no meio de uma clareira. Parecia ser antiga: o material do qual fora construído estava coberto de musgo e podia-se ver ervas junto aos cantos da cabana que ainda não tinham sido cobertas pela neve. Tinha apenas 2 janelas pequenas, mas ambas emanavam um enorme foco de luz. A chaminé libertava uma nuvem de fumo o que me levou a deduzir que alguém viveria naquele lugar. Bati à porta. Ninguém. Notei que a porta não estava fechada, por isso abri-a e vi uma pequena sala com um aspecto bastante rústico e com pouca decoração: uma mesa no centro com apenas uma cadeira e um candeeiro, responsável por iluminar toda a sala, num dos cantos, uma cama de solteiro que aparentava nunca ter sido usada. Um prato de comida quente estava em cima da mesa. Nem pensei 2 vezes. Com a fome que tinha, devorei a comida.
Não queria acreditar nos meus olhos. Parecia que me tinha calhado a sorte grande. Decidi passar lá a noite, mas manter-me acordado até que o dono da cabana chegasse. Mas ele nunca chegara.
Na cabana, encontrei um livro totalmente em branco e decidi escrever nele a pequena "aventura" que me estava a acontecer.
Acabei por adormecer, determinado em voltar para casa no dia seguinte.
Acordei era ainda de madrugada. Estava tudo na mesma. Saí daquele lugar, mas algo estava diferente...o caminho que me guiou até à salvação parecia ter desaparecido, substituído por um grupo de carvalhos. Segui em frente e entrei na floresta, sem encontrar a saída. Andei à volta durante meia-hora e voltei a dar de caras com a cabana. Algo estava errado. Porque raio é que não conseguia encontrar a cidade?
Voltei a entrar na floresta, à procura da saída. Procurei, procurei pela saída até não aguentar mais. A minha respiração começou a ficar ofegante...estava exausto, o medo apoderara-se do meu corpo que parecia não me obedecer: só pensava em voltar para a cabana, descansar e retomar a minha busca amanha de manhã mas no entanto, as minhas pernas pareciam não se mexer. Entrei em total desespero e a única coisa que consegui fazer foi chorar; o meu corpo caiu no chão como se já nem vida se encontrasse nele e acabei por desmaiar.
Acordei no dia seguinte cheio de frio, com neve até ao pescoço. Olhei à minha volta e a paisagem estava na mesma desde que fechara os meus olhos. Os sentimentos de medo e desespero continuavam a assombrar a minha cabeça, já nem era capaz de pensar logicamente. Puxei por alguma força que pensava já não ter e corri até à cabana. Sentei-me à mesa e descrevi tudo aquilo que senti no pequeno caderno.
Não voltei a fazer o mesmo. Fiquei sempre na cabana. Coincidência ou não (na altura nem me preocupei com isso), encontrei um género de arca cheia de comida, o que me permitiu sobreviver durante mais uns dias naquele inferno.
Há quantos dias eu estive lá? Não faço a mínima ideia...perdi completamente a noção do tempo. Cada momento parecia durar uma eternidade. Um teste à minha sanidade.
Mal sabia eu que o meu inferno estaria prestes a acabar quando numa manhã ouvi barulhos vindos de fora da cabana. Pareciam pessoas a sussurrar, um emaranhado de vozes impossíveis de não ouvir e ignorar. Essas vozes soaram-me como uma melodia...uma melodia que para mim significava salvação, a saída deste sítio que odiara com todas as minhas forças!
No entanto, no momento em que ponho o meu pé fora da cabana, as vozes desapareceram. Gritei, na esperança de ser ouvido. Mas nada...daquele momento, apenas restara o silêncio. Depois, dei de caras com algo que deveria ser impossível: no chão à minha frente estava a carta sem remetente que recebera antes da viagem. "Terei endoidecido?" - pensei. Como raio é que aquilo poderia estar ali?
De repente, as vozes reapareceram, do nada. No entanto, o sentimento que me invadira naquele momento não era de alívio, mas sim puro medo. As vozes ouviam-se cada vez mais alto e não se percebia nada daquilo que era dito. O que vejo a seguir? Sombras. Sombras vindas das profundezas da floresta amaldiçoada. Estas sombras que não paravam quietas no mesmo lugar, que me rondavam, que me espiavam dia e noite como se eu fosse a sua presa. Seriam animais? Não. Desapareciam e reapareciam, movimentam-se muito depressa e os sons que emitiam...era como se pronunciassem um discurso numa linguagem totalmente desconhecida. Paralisado com o medo, voltei a mim e fechei-me dentro da cabana. Agarrei no livro e escrevi o que acabara de ver e ouvir. Não podia acreditar, os barulhos pararam. O meu coração batia a 1000 à hora, suspirei fundo e ganhei coragem para voltar a sair da cabana. Mal saí, vi uma daquelas sombras em cima do telhado da cabana. O monstro ou lá o que era saltou-me para cima.
3 dias passaram desde então. A polícia encontrava-se no local, pois fora encontrado um cadáver coberto de sangue. Esse, seria eu após o ataque. Após a autópsia, não conseguiram descobrir o que esteve na origem da minha morte. Não havia nenhuma marca no corpo que pudesse explicar todo aquele sangue. Impossível ter sido um animal ou um homem...então o que seriam aquelas sombras que vi e me mataram? Há certas coisas em que o Homem devia manter-se afastado...certas coisas que levam a mais nada senão o vazio.

Ahh! É verdade...quanto à cabana e às árvores que apareceram no nada...bem, aparentemente nada disso existira. De acordo com a comunidade local, nunca houve nenhuma cabana naquele sitio. Apenas havia uma pequena clareira.
Terá sido a cabana fruto da minha imaginação? No último capítulo da minha vida, tornou-se impossível distinguir a realidade da fantasia. Nada fez sentido até que cheguei ao fim da estrada.


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